Ficha Técnica

Ano/País:  Estados Unidos, 2014
Direção:  Ana Lily Amirpour
Elenco: Arash Marandi, Dominic Rains, Sheila Vand

SinopseNuma cidade-fantasma iraniana, um lugar que cheira a morte e solidão, seus habitantes estão sendo perseguidos por um vampiro solitário.

Cotação:
****

 

Comentário:

O nome estranho é na verdade apenas um título provisório no Brasil, onde não foi lançado nos cinemas nem disponibilizado em DVD. Sua produção é um exemplo positivo da globalização. Afinal, sua diretora é iraniana, mas o filme foi produzido e rodado nos Estados Unidos (com participação executiva de Elijah Wood), onde é simulada uma cidade fictícia do Irã, sendo inclusive todo falado em persa, e não em inglês. Com certeza a diretora Amirpour encontraria problemas para filmar no seu país de origem com uma história com um viés tão ocidental e feminista para os padrões do islã. 
 
Hoje em dia é razoável se perguntar se ainda é possível criar algo original a partir de um tema tão batido como uma história envolvendo vampiros – principalmente após a série Crepúsculo sedimentar, pelo menos entre os mais jovens, a sua versão sobre essas lendas tão antigas. A Garota… não é um filme sobre vampiros, assim, no plural. Mas sobre “uma” vampira apenas. O microcosmo que simboliza a cidade onde se passa a história é ainda mais limitado quando em breve nos damos conta que há poucos atores, uma meia dúzia deles. Tão poucos que os créditos finais reforçam ironicamente a pequena lista do elenco incluindo o gato.

Filmado num preto & preto gótico, apropriado à aura de mistério que cerca toda história de vampiro, A Garota… é um filme feito de silêncios, com poucos diálogos. Um filme de clima, de atmosfera, como eram os primeiros filmes mudos da história do cinema. Mas seus “silêncios” são preenchidos com música. E que música!! É difícil saber se alguma das canções ou música instrumental foi escrita especialmente para o filme. Provavelmente não. Mas a diretora Amirpour soube garimpar pérolas do pop/rock do Oriente Médio – desconhecidas para nós, ocidentais – e com isso envolver sua belas imagens, quase transformando a música em um outro personagem. Em A Garota… , a trilha sonora ajuda mais do que o normal dos filmes a compor o clima, auxiliar na transposição de cenas, construir a história. Guardadas as devidas proporções, é como Sérgio Leone fazia, ajudado pela trilha sonora de Ennio Morricone. 
 
Sua bela e jovem vampira de olhar ao mesmo tempo doce e incisivo é apreciadora de música, e as paredes de seu quarto são cobertas com fotos de cantores e bandas como uma adolescente normal. Sem dúvidas, estamos diante de uma vampira “pop”. Seu apetite para escolher suas presas, no entanto, obedece a um rígido padrão moral. Só os que merecem, por seu comportamento inadequado, serão sacrificados. Um velho viciado em drogas, um cafetão e traficante inescrupuloso. Por isso, nossa vampira irá poupar o jovem herói da trama, e até se apaixonar por ele. Propositalmente irônico que ela o veja pela primeira vez quando volta de uma festa, fantasiado de Conde Drácula. De certa forma, o filme se aproxima mais da mística do western do que do terror. Se nos antigos filmes de “bang-bang”, o mocinho recém-chegado à cidade, tratava de “limpá-la” dos homens-maus para no final fugir com a mocinha, nesta versão feminista  e vampiresca do velho-oeste, depois de livrar a cidade dos homens-maus, é ela que foge levando o escolhido. 
Com um orçamento baixíssimo, uma meia dúzia de atores e ótimo senso estético, a jovem diretora iraniana prova que bom cinema se faz com talento, independente da quantidade de dinheiro e estrutura envolvidos. Seu filme pode ser extremamente simples em termos de história e modesto em pretensões, mas Armipour faz um cinema poderoso, que nos absorve pelo visual inusitado, levando a sério a máxima que diz que forma é conteúdo e conteúdo é forma. A Garota que Anda à Noite já nasce um clássico cult, e nos conquista de imediato.